Somos uma geração perplexa, somos uma geração insegura, somos uma geração aflita — mas, como tudo tem seu lado bom, somos uma geração questionadora.
O que existe por aí não nos satisfaz.
Sofremos com a falta de uma espinha dorsal mais firme que nos sustente, com a desmoralização generalizada que contamina velhos e jovens, com uma baixa auto-estima e descaso que, penso eu, transpareceram em nossa vida.
Algum remédio deve ser buscado na realidade, sem desprezar a força da imaginação e a raiz das tradições — até no trato com as crianças.
Na realidade, nem sempre os fortes vencem e os frágeis são anulados: a força da inteligência de pessoas, grupos, ou povos ditos “fracos”, inúmeras vezes derrota a brutalidade dos “fortes” menos iluminados.
Porém o mal existe, a perversão existe, atualmente a impunidade reina neste país nosso, confundindo critérios que antes nos orientavam.
Cabe à família, à escola, e a qualquer pessoa bem intencionada, reinstaurar alguns fundamentos de vida e instaurar novos.
A tendência para uma educação imbecilizante de nossas crianças, segundo a qual só se deve aprender brincando, a escola passou a ser quase um pátio tumultuado, e a falta de respeito reproduz o que acontece tanto em casa quanto em alguns altos escalões do país.
Essa mesma corrente de pensamento quer mutilar histórias infantis arcaicas como a do Chapeuzinho Vermelho: agora o Lobo acaba amigo da Vovó… e nada de devorar a velha, nada de abrir a barriga da fera e retirá-la outra vez.
Tudo numa boa, todos na mais santa paz, tudo de brincadeirinha — como não é assim a vida.
Modificam-se textos de cantigas como “Atirei o pau no gato”, transformando-a em um ridículo “Não atire o pau no gato” e outras bobajadas, porque o gato é bonzinho e nós devemos ser idem, no mais detestável politicamente correto que já vi.
O mundo não é assim.
Coisas más e assustadoras acontecem, por isso nossas crianças e jovens devem ser preparados para a realidade. Não com pessimismo ou cinismo, mas com a força de um otimismo lúcido.
Medo faz parte de existir, e de pensar.
Não precisa ser terror da violência doméstica, física ou verbal, ou da violência nas ruas — mas o medo natural e saudável que nos faz cautelosos, pois nem todo mundo é bonzinho, adultos e mesmo crianças podem ser maus, nem todos os líderes são modelos de dignidade.
Uma dose de realismo no trato com crianças ajudará a lhes dar o necessário discernimento, habilidade para perceber o positivo e o negativo, e escolher melhor.
Temos muitos adolescentes infantilizados pelo excesso de proteção paterna ou pela sua omissão, na gravíssima crise de autoridade que nos assola; temos jovens adultos incapazes porque quase nada lhes foi exigido, nem na escola, nem em casa.
Talvez tenha lhes faltado a essencial atenção e interesse dos pais, na onda de “tudo numa boa”.
Dar a volta por cima significará mudar algumas posturas e opções, exigir mais de nós mesmos e de nossos filhos, de professores e alunos, dos governos, das instituições.
Ou vamos transformar as novas gerações em fracotes despreparados, vítimas fáceis das armadilhas que espreitam de todos os lados, no meio do honrado e do amoroso — que também existem e precisam se multiplicar.
Não prego desconfiança básica, mas uma perspectiva menos alienada: duendes de pesadelo aparecem em nosso cotidiano.
Nem todos os amigos, vizinhos, parentes, professores ou autoridades nos amam e nos protegem.
Nem todos são boas pessoas, nem todos são preparados para sua função, nem todos são saudáveis.
Para construir de forma mais positiva nossa vida, é preciso, repito, dispor da melhor das armas, que temos de conquistar sozinhos, duramente, quando não a recebemos em casa nem na escola: discernimento.
Capacidade de analisar, argumentar, e escolher para nosso bem — o que nem sempre significa comodidade ou sucesso fácil.