Por que a morte — nossa e dos outros — nos causa tanto desconforto, ansiedade e às vezes até mesmo desespero?
Ao que parece, nossa compreensão da inexorabilidade da morte não foi verdadeiramente integrada no nosso comportamento.
Não a levamos ao nosso coração ao ponto de que nossa postura diante dela se transforme.
Ao tentarmos colocá-la debaixo do tapete, evitando olhá-la de frente, ela se apresenta como uma verdade inconveniente ou como uma surpresa desagradável.
Como seria se, em vez de tentar evitar o pensamento da morte, invertêssemos essa tendência e passássemos a deliberadamente nos aproximar desse pensamento e estar cada vez mais conscientes da nossa finitude?
Ao evitar pensar naquilo que certamente vai acontecer, além de sermos ingênuas, procurando contornar o inevitável, estaremos também perdendo a oportunidade de usufruir da transformação virtuosa e profunda que a consciência aguçada da morte pode operar em nossas vidas.
É diante da morte que damos as mãos aos ricos, aos pobres, aos educados, aos analfabetos, aos famosos e aos desconhecidos.
Diante dela somos todos iguaizinhos: desnudos, inseguros, frágeis.
Se a nossa conta bancária esteve bem suprida, se tivemos admiradores, se terminamos o doutorado, diante da morte isso tudo não tem a menor importância.
Se tínhamos razão nas discussões com nosso companheiro ou companheira, se o chefe gostou do nosso projeto, se a nossa candidata ganhou as eleições, tudo isso, que às vezes pode parecer de grande importância, encolhe e perde totalmente o poder diante da lembrança da morte.
O propósito de lembrar da nossa finitude está ligado ao fato de que ela retira a força e importância exagerada que muitas vezes depositamos nas questões do cotidiano, colocando a própria vida em perspectiva.
Nós não estamos no comando.
Observe todos os dias como nós não temos controle sobre a nossa vida, embora tenhamos a sensação que temos.
Ela depende de uma rede infinita de causas e condições, que diante de uma pequena oscilação, colocam em risco o frágil castelo de cartas que é a nossa vida: se estamos no ônibus, contamos com a estabilidade e prudência do motorista para viver, bem como das pessoas que fazem a manutenção do automóvel e das estradas.
Se estamos num avião, nossa vida depende do piloto ter dormido bem e estar com boa saúde mental e também dos controladores de voo nos aeroportos estarem atentos.
Nossa existência depende da vida de muitos.
Talvez hoje ainda sejamos jovens, podemos ter 20, 30, 40 ou 50 anos e a perspectiva de ter 80 ou 90 anos pode parecer longe demais.
Mas observe como, às vezes, temos a sensação de que os últimos cinco ou dez anos passaram rápido.
Talvez os 80 ou 90 anos também cheguem mais rápido do que possamos imaginar — se é que teremos a sorte de viver até lá.
Contemplar que já morremos muitas vezes…